quarta-feira

ELE & ELA

Acordou pensando na ex-mulher. Um pensamento insistente, que o acompanhou o dia inteiro...
À noite, depois trabalho, resolveu ligar para ela:
“Quem é?”, atendeu uma voz masculina.
Desligou o telefone. Podia ter discado errado o número...
Ligou de novo. E a mesma voz atendeu...
“Quero falar com a Dulce...”
“Olha só, a Dulce deu uma saidinha... Quem quer falar com ela?”
Não se intimidou:
“É o ex-marido dela...”
Silêncio brusco.
“Alô?”
“A Dulce acabou de chegar. Vou passar pra ela.”
“Edgar...?”
“Oi...”
Novo silêncio.
“Desculpe eu estar te ligando assim, Dulce...”
Criou coragem:
“Queria te convidar pra gente sair pra jantar...”
“Hoje?”
“Hoje, amanhã... Você que sabe!”
“Hoje, então.”
Surpreso com a imediata aceitação do convite – afinal, fora ele quem havia proposto a separação meses atrás, sem ressentimentos! –, Edgar perguntou aonde ela queria ir. No lugar de costume?
Dulce sorriu:
“Que tal no seu apartamento? Pode ser?”
Ele também sorriu:
“Acho que aqui o estoque de comida está meio em baixa...”
“A gente dá um jeito. Chego aí em duas horas! Beijos.”
Edgar abraçou o telefone, feliz da vida. Finalmente ia rever a mulher, depois de tanto  tempo afastados... Como estaria ela? Não importava. Nem o sujeito que atendera o telefone importava. Só Dulce importava, nada mais!
Longe dali, igualmente feliz da vida, Dulce abraçou o amante. Há muito esperava aquela ligação...  Quem Edgar pensava que era, para abandoná-la feito um trapo, uma coisa à-toa – e depois voltar assim, na maior cara-de-pau?
“Ponha a sua melhor roupa, Carlão! Você vem comigo. Sua arma tem bala?”

ESCRITURANDO...

Escreveu 100 contos. E voltou à estaca 0...

terça-feira

O PERVERTIDO

1. Computador ligado. Desejo desgovernado...


2. Computador desligado. Desejo saciado...


3. Computador quebrado. Desejo amortalhado...

SEXO

1. O marido lhe dava Amor; ela queria Sexo...


2. Ela queria Sexo... Por isso o marido lhe dava Amor!


3. Gozou como nunca... E com o próprio marido!

sexta-feira

A COR DA NOITE

Quando eu era adolescente, minha professora de Educação Artística falou (se bem me lembro!) que o branco era a reunião de todas as cores, e que o preto era justamente a ausência delas.
Para mim, naquele momento, aquilo não fez a menor diferença: eu não gostava de arte, não gostava daquela professora, eu não gostava de nada!
Anos mais tarde, já adulto, me tornei um espécimen da noite. Do preto da noite. Curtia as aventuras, os pecados e os mistérios... e o que mais se pode imaginar!
Aqui entra em cena a minha antiga professora. Quando a vi no bar, não tive logo a certeza se era ela mesma ou não. Estava velha e feia, e bebia sozinha ao pé do balcão. Me aproximei, fiquei observando por algum tempo, então falei:
– Dona Carmem?
Ele me olhou surpresa, e bastante séria:
– Quem é você?
– Fui seu aluno no sexto ano...
– É?
– A senhora dava arte. Falava de Van Gogh, das cores...
Ela bebeu uma dose.
– A senhora lembra de mim?
Ela respondeu com ironia:
– Olha, se eu fosse me lembrar de cada aluno que eu tive!
E lascou uma gargalhada ferina bem no meio da minha testa...
Completamente sem graça – o bar estava cheio, muitas pessoas ficaram me olhando – fui para o outro lado do balcão e pedi uma cerveja. Bebi o mais rápido que pude, vez por outra olhando de relance para a megera, e cego de fúria saí para a rua.
Fiquei esperando.
Quando a professora, meio trôpega, deixou o bar, eu a segui pela calçada.
Num trecho escuro, agarrei-a por trás e sussurrei em seu ouvido:
– A senhora não lembra mesmo de mim? Do seu aluninho?
– Não...
– Tem certeza, vagabunda?
– Tenho...
Disparei duas vezes, para ela aprender a lição.

quinta-feira

A DONA DO TEMPO

Não é que ela fosse uma Rainha má. Não era. O problema dela era outro – o medo de envelhecer.
No dia em que, diante do espelho, ela encontrou um fio de cabelo branco, ficou desesperada. Arrancou fora o intruso e ordenou aos cavaleiros do palácio que vasculhassem todo o reino e destruíssem cada relógio que encontrassem.
A Rainha acreditava que, acabando com os relógios, o tempo pararia de passar.
Assim foi feito: não restou pedra, ou melhor, relógio sobre pedra...
E Sua Majestade pôde então dormir sossegada.
Semanas depois, no entanto, a Rainha tornou a achar outro fio de cabelo branco. Chamou novamente os cavaleiros do palácio e esbravejou com eles. “Deve ter sobrado algum desgraçado por aí!”, disse ela. “Saiam e só voltem aqui quando encontrarem esse maldito relógio!”
E lá se foram novamente os pobres cavaleiros.
Procuraram dias e dias, até que descobriram um reloginho escondido no baú de uma velha camponesa que morava sozinha a muitas léguas da cidade.
“Por favor, não levem o bichinho embora, não!”, choramingou ela. “Foi presente do meu Joaquim, que Deus o tenha...”
Não houve jeito. O relógio foi levado ao palácio e aniquilado sem a menor compaixão.
E a Rainha, mais uma vez, pôde dormir sossegada...