quinta-feira

À PROCURA DA FLOR

Estão sentados lado a lado no ônibus. Não se conhecem...
De repente, ele se vira para ela e diz:
– Você é a flor mais linda que já vi!
– Obrigada – ela responde, com um sorriso encabulado.
Daí a cinco minutos, ele se vira novamente:
– Casaria comigo?
Dessa vez a moça não diz nada, muito menos sorri; num gesto brusco, se levanta da cadeira e vai se sentar duas ou três poltronas atrás.
Outros cinco minutos, e o rapaz não resiste a se voltar para olhá-la.
A moça, alheia a ele (e talvez ao resto do mundo!), olha fixamente pela janela...
Então começa o alvoroço.
Um magricela lá nos fundos anuncia o assalto, e promete atirar em quem não colaborar.
Os passageiros, feito cordeirinhos, vão entregando seus pertences.
A moça começa a chorar...
O ladrão põe a arma na cabeça dela.
– Passa a bolsa, vai!
O ladrão rouba mais algumas pessoas à frente, salta do ônibus e se escafede na avenida movimentada...
A moça, com os olhos ainda marejando, vai se sentar de novo ao lado do rapaz que a achara bonita.
– Eu fiquei preocupado com você – ele diz.
E fica totalmente perplexo quando ela, limpando as lágrimas, se aninha como um beija-flor em seus braços...

sábado

LOS DIABITOS







Quero beijar sua boca, disse ele. Por quê, disse ela. Porque ela é vermelha, disse ele. Mas você é meu irmão, disse ela. E daí, disse ele. É pecado, disse ela. Quem te falou, disse ele. Todo mundo, disse ela. Eu não ligo, disse ele. Tenho medo de ir pro inferno, disse ela. O inferno é caô, disse ele. Sei lá, disse ela. Ele não existe não, disse ele. Você é um bobo, disse ela. E você tem a boca bonita, disse ele. Bobão, disse ela. Sou mesmo, disse ele. Vai chover, disse ela. Vai, disse ele. E mamãe que não chega, disse ela. Pois é, disse ele. Se ela pegar a gente, disse ela. Bobagem, disse ele. Ela vai brigar, disse ela. Mamãe briga por qualquer coisa, disse ele. Verdade, disse ela. Me abraça, disse ele. Não, disse ela. Só mais uma vez, disse ele. Tá bem, disse ela. Agora me beija, disse ele. Dou um selinho, disse ela. Quero língua, disse ele. Selinho, disse ela. Língua, disse ele. Vou me levantar, disse ela. Eu não vou deixar, disse ele. Me solta, disse ela. Não, disse ele. Por favor, disse ela. Então me beija, disse ele. Só um pouquinho, disse ela. Meu amor, disse ele. Seu chato, disse ela.
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Saiam já da minha cama, disse ela...

sexta-feira

O HOMEM AO LADO

Ele entrou no ônibus e, com tantas cadeiras vazias, veio sentar-se justo do meu lado. Por um segundo nossos olhares se cruzaram e ele sorriu. Eu retribuí a gentileza, e voltei minha atenção para o best-seller que estava lendo.
Li duas ou três páginas do livro, mas não consegui mais me concentrar. O sujeito, ali pertinho, me perturbava… Eu nunca tinha sentido aquilo antes, era algo completamente diferente de tudo que eu já experimentara dentro – ou fora – de uma condução!
Pensei em mudar de cadeira, mas no fundo eu sabia que não era isso o que eu queria... Portanto, resignei-me a fingir que lia o livro, até que um de nós dois saltasse. Ou os dois ao mesmo tempo, quem sabe... Por que não?
Teve uma hora que o braço do estranho roçou no meu – ou talvez tenha sido o meu que roçou no dele, não sei dizer! – e eu quase entro total em desespero. Disparei a suar frio, e meu corpo começou a formigar nas costas, nos braços, no rosto, em tudo quanto é canto!
Para minha decepção, o homem saltou algumas quadras à frente. Arrisquei uma olhada mais indiscreta. Ele aparentava uns quarenta anos, se vestia como um executivo, era muito calvo e ostentava um cavanhaque que necessitava de um retoque urgente...
Quando ele desceu do ônibus, eu suspirei extasiado. Sentia-me como se tivesse acabado de encontrar o que há anos buscava em cada homem que me levava para a cama. Foi uma sensação tão boa, que tive vontade de me levantar da cadeira e ali mesmo cantar, dançar, sorrir, gargalhar...
Mas me contive e esperei. E, mal entrei em meu apartamento, botei uma música agitada e dei o maior espetáculo da minha vida; uma senhora apresentação  coisa de fazer até a Madonna se morder de inveja!

quinta-feira

À PROCURA DE SI MESMO

Era escritor e seus personagens eram uma espécie de alter ego, espelho de si mesmo... Resultado: quando morreu, aos 80 anos, já não tinha tantos leitores – mas, em compensação, era um homem desvendado!

HOMEM X ARTE


Escreveu um poema e um conto e os enviou a um concurso. O poema foi premiado, o conto não.
Dali em diante, só escreveria contos...

CÉU


Maravilhada, a pipa assistiu à queda do avião com seus cento e tantos passageiros...

PRÉ-SOCRÁTICA

Quando inquirida por que comera as próprias fezes, ela disse – com lágrimas caindo – que seu intuito era tão-somente conhecer um pouco mais a si mesma... Seria isto um crime, meu Deus?!?


A ESTRANHA


Apertou a lâmina na mão e olhou-se pela última vez no espelho. Ainda tinha alguma esperança. Mas seus olhos opacos continuaram sem lhe dizer nada...

VINGANÇA


Eu sabia que onze facadas não seriam o bastante. Então não hesitei: dei-lhe muito, muito mais amor!...